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"Hoje falo no espelho: olha a pessoa maravilhosa que você se tornou”, diz Isa Isaac Silva

Isa Isaac Silva fala dos desafios sexuais e afetivos ao longo da vida, incluindo, após a transição de gênero.



Sexualidade e afetividade são sempre temas sensíveis para qualquer pessoa. Para as mulheres trans, na maioria das vezes, há camadas mais profundas a serem trabalhadas e libertadas. A estilista Isa Isaac Silva, que fez sua transição em 2019, abre o jogo sobre seus aprendizados sexuais, a busca de relacionamentos não somente na cama, a dificuldade da mulher trans nesse cenário e como, aos poucos, está quebrando as barreiras da afetividade em sua vida. Confira a conversa:

Como você se vê hoje sexualmente?

Me redescobri muito principalmente nessa parte sexual. Demorei para ter uma vida sexual ativa porque sempre me entendi como mulher trans, mas sempre achei que não era o momento certo dessa mulher existir. Sempre vivi relacionamentos homoafetivos com homens que me tratavam no feminino. E quando Isa veio foi como se eu tivesse uma liberdade sexual muito grande. Através dessa liberdade sexual eu vi o quanto é prazeroso eu decidir as pessoas que podem entrar no meu íntimo, decidir quem são essas pessoas com quem eu posso me relacionar sexualmente. Me permitiu abrir meus horizontes com as questões sexuais.

Você hoje finalmente se sente feliz sexualmente?

Sempre fui muito feliz sexualmente, mas com a Isa estou muito mais feliz. Posso usar lingerie, me conhecer sexualmente como uma mulher trans e estar nessa plenitude. Às vezes sexualmente você nem precisa estar com alguém. É sobre você estar com você. Então hoje me sinto muito mais plena, segura de saber aquilo que quero. Antes não tinha maturidade e era muito dominada. Hoje eu domino a pessoa que eu sou. Quero sentir prazer em todas as relações que tenho. Não quero simplesmente fazer aquela coisa mecânica. Hoje digo que quero estar realmente com aquela pessoa. Antes eu tinha que dar prazer àquela pessoa, ceder sempre ao outro.

O que você não quer hoje sexualmente?

Não quero mais a questão mecânica. Não quero sexo pelo sexo, eu quero afetividade. O beijo é a porta para tudo. A gente consegue gozar beijando. O beijo é uma abertura para outro mundo. E quando a pessoa te beija muito bem já te transporta para outras fantasias. O beijo me diz muito.

Você usa aplicativos de relacionamento?

Uso o Bumble tem espaço para mulher trans e também permite conhecer gente do mundo todo. O Bumble é minha aula de inglês (risos). Uso também o Jaumo, o Happn, entre outros. Hoje me sinto muito mais segura e com isso consigo tomar decisões para minha vida com mais certeza.

Como você vê a objetificação das mulheres trans?

Os homens que nos objetificam chamamos de travequeiros porque querem apenas sexo e não afetividade. Os homens sempre olham para a mulher nesse universo da sexualidade e do sexo meio pornográfico. Não me trate como um buraco. Quando vivia a época da homoafetiva eu era simplesmente um buraco e hoje não me permito mais a isso, mais a essa violência. A maioria dos clientes das mulheres trans é homem branco, cis e com família. O futuro para nós mulheres trans é quando existir essa afetividade e esses homens assumirem uma relação conosco.

Qual a sua orientação sexual?

Gosto de pessoas, me vejo uma mulher trans bissexual e monogâmica. Já fui a terceira pessoa de um casal heterossexual. Isso me permitiu vivenciar outras coisas. Hoje me envolvo com homens trans também.

Qual seu status de relacionamento hoje?

Hoje estou solteira, mas me relaciono com pessoas que gosto muito. Estou num momento de namoro com minha marca e trabalho, a energia está nisso. Mas preciso de afetividade e relação sexual. Hoje tenho essas duas energias. As pessoas sabem que sou livre e elas são livres.

Você assume as pessoas e elas te assumem?

Sim, quando me envolvo tenho o comprometimento afetivo com a pessoa e vice-versa. O que está incluso: dar bom dia, meus amigos saberem da pessoa, frequentar festas comigo, sair para jantar, pegar na mão. Ela precisa me assumir como eu sou e eu tenho que respeitar o outro também.

Hoje quando você se olha no espelho nua, o que você vê?

Vejo a mesma Isa que sempre vi, mas agora posso dizer às pessoas “a Isa existe”. A Isa sempre existiu na minha vida, mas a diferença de hoje é que a minha família, todo mundo sabe quem é a Isa. E hoje falo no espelho: “olha a pessoa maravilhosa que você se tornou.” Mas antes de eu me assumir, era insegura, nem me olhava no espelho, me escondia. Não era minha real identidade. Era muito raro me olhar no espelho. Hoje me reconheço e agradeço todos os dias por eu existir.

Você vê outros preconceitos que sofre?

Hoje vejo o quanto de mulheres cis não abraçam as mulheres trans pelo preconceito da sexualidade. Elas acham que as mulheres trans têm uma vida sexual muito mais aberta e na verdade é o contrário. Nós mulheres trans somos objetificadas, não existe a questão da afetividade dos homens quando nos procuram. Tive que ir em busca dessa afetividade. Tentamos mostrar para esses homens que não somos somente carne. Me blindei nessa questão sexual para me envolver com pessoas que entendam minha sexualidade. Vejo muito isso dos caras que fico e eles dizem que sempre se relacionaram com mulheres trans, mas nunca tiveram coragem de sair de mãos dadas com elas. Um dia um me disse: “Obrigado por você me permitir isso.”

Se a Isa sempre existiu, como ela era na infância?

Sempre fui muito afeminada, diferente das outras pessoas. Quando fui para a escola pela primeira vez, aos 6 anos, meu pai me levou para comprar material escolar e comprei a lancheira da Xuxa, borracha rosa e tudo mais que uma menina gostaria de ter. Ele viu aquilo como dentro de um universo lúdico. Quando cheguei à escola particular, eu era a única negra e de cabelo curtinho. E ali eu estava com a lancheira da Xuxa e tudo do universo feminino. Ao entrar na sala de aula, a professora me colocou para sentar junto com as meninas. Ao falar meu nome Isaac, a professora me trocou de lugar, me colocando ao lado dos meninos e eles não me aceitaram porque eu não era um típico menino. A professora, não acreditando que eu fosse biologicamente um menino, abaixou minha calça no meio da sala para ver o meu genital. Depois disso, sem saber como agir, ela me deixou sentada no meio da sala com as meninas e os meninos. Convivi sempre com essa confusão das pessoas. Meu primeiro beijo foi aos 14 anos com um menino. E ele sempre falava: “se você fosse mulher eu namoraria você.” Ele foi meu primeiro grande amor. Todos os outros com quem me relacionei naquela época sempre falavam a mesma frase: “se você fosse mulher eu namoraria você.” Hoje eu sou uma linda mulher que namora comigo mesma. E quem quiser somar comigo no mundo do amor, estou aqui sendo essa mulher que sempre existiu.


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